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domingo, 19 de setembro de 2010

Mentalizando com André Matos


Fiquei com vontade de escrever uma resenha sobre o álbum Mentalize, segundo trabalho solo de Andre Matos, logo na primeira vez que o ouvi. Contudo, dado a alta carga de complexidade do álbum – desde sua temática até as frases de bateria nas músicas – sempre deixei esta tarefa para depois. Como escrever resenhas sobre álbuns musicais é algo difícil, e como é mais difícil ainda escrever resenhas sobre álbuns complexos, não queria correr o risco de que minha resenha fosse um não-atrativo para as pessoas. Após alguns meses ouvindo Mentalize, aqui vai minha resenha.

Sempre polêmico e criativo Andre Matos e seu grupo compuseram um álbum bem particular. Em vários pontos, o cd é distinto de outros álbuns de Heavy Metal que tem sido lançados. A temática do álbum mistura religião, misticismo, obscurantismo, ciência e razão – por mais estranho que isto possa parecer ser a alguns. A capa do disco, aparentemente simples e sem muita sofisticação, contém o que a princípio parece ser um labirinto. Contudo, diferentemente de um labirinto tradicional que possui várias pegadinhas e do qual pouquíssimas pessoas conseguem sair, o labirinto gótico da capa d possui apenas um caminho a se seguir, que inequivocamente conduz ao seu centro.

De acordo com o mentalizador desta ideia, Andre Matos, o labirinto representa nós mesmos, e o caminho que devemos percorrer até o centro para obtermos autoconhecimento. Pode-se, contudo, imaginar um milhão de coisas ao olharmos este labirinto: não raro perdermos o rumo do caminho do labirinto quando estamos o seguindo apenas com os olhos – o que poder representar a dificuldade que as pessoas têm de se autoconhecer, mesmo pensando a princípio que esta tarefa seja fácil; o encarte do CD é todo furado, formando uma espiral que coincidentemente está em sentido contrário ao sentido do labirinto, o que ajuda a nos confundir – o que pode representar os atalhos que projetamos para tentar burlar a necessidade do autoconhecimento que, ao invés de nos ajudar, apenas nos atrapalham; os furos deste atalho parecem formar uma espiral parecida com uma galáxia – podendo significar que a busca pelo autoconhecimento é universal, comum a todo ser vivente. Enfim, podem-se imaginar mil coisas ao olharmos a capa do disco.

Todos estes furinhos no encarte obviamente acarretaram um ônus: a tarefa de ler as letras das músicas no encarte tornou-se muito mais difícil do que o usual. Mas nada que tire o brilho de termos em mãos um encarte que é totalmente furado da primeira à última página.

Musicalmente falando, não fica para trás no que se refere a sofisticação e qualidade. No geral podemos dizer que o álbum é mais “direto” que seu antecessor, Time to be Free. A primazia de Mentalize fica com as guitarras e com os graves do baixo e da bateria, diferentemente de Time to be Free, onde as orquestrações tinham um papel de destaque bem maior nas músicas.

Diferente do usual para bandas do estilo, Mentalize não começa com uma Intro orquestrada. A primeira faixa, Leading On começa em um clima um tanto sombrio, com uma voz assustadora sussurrando em um tom estranho e os tribais de bateria sendo conduzidos progressivamente mais firmes por Eloy Casagrande até a aparição dos demais instrumentos e do começo da música em si. Este clima meio Cine Trash me lembrou bastante alguns momentos do primeiro álbum de Black Sabbath, considerado por muitos o álbum que mudou a história do Rock. Como um todo Leading On lembra vagamente Nothing to Say, clássica música do álbum Holy Land, segundo da era Andre Matos na banda Angra.

A segunda música do álbum, I Will Return começa com uns coros bastante interessantes, lembrando aqueles corais escolares que vemos em filmes americanos – com a sonoridade meio “doce”. Logo após temos a entrada das guitarras e o peso da música. E música possui bastante variações de intensidade: há momentos que temos apenas piano, momentos em que o baixo de Mariutti se destaca, momentos dos corais, momentos em que ela lembra o Heavy Metal dos anos 70 e momentos que ela parece que Gothic Rock. É uma das minhas faixas preferidas do disco.

A seguir temos Someone Else. A música também começa em um clima meio sombrio e com os instrumentos dando as caras aos poucos, não de uma vez. Andre Matos contribui com o clima sombrio cantando as primeiras frases da música com um efeito meio trash na voz. O ponto forte desta música é seu refrão, que é bem meloso e se destaca do resto da música. Os solos de guitarra também são um grande atrativo, especialmente por volta dos 4 minutos de música, quando eles formam uma espécie de dueto com o fundo de piano que é executado.

A quarta faixa do disco é Shift the Night Away. Depois de um dueto entre tribais de bateria e solos melosos de guitarra a música apresenta seu peso e velocidade. “Metal melódio” se encaixa perfeitamente em uma curta definição de Shift the Night Away. A melhor parte da música é lá pelos 2:30 min., quando os solos de guitarra ficam em evidência. O refrão é forte e ele combina perfeitamente com a voz de Andre Matos, criando um contraste muito legal com os coros dos vocais back.

Back to You é a quinta faixa. É aquele tipo de “balada progressiva” que começa calmamente e vai aumentando a intensidade até seu ápice. Gosto deste tipo de música quando elas contêm (como é o caso de Back to You) uma letra que se assemelha a uma história, com a melodia acompanhando a história. É uma música muito criativa, progressiva, daquelas que você apresenta para sua namorada que não gosta de Heavy Metal no intuito dela se converter.

A sexta faixa do disco é a que dá nome ao álbum, Mentalize. Ela não é muito rápida, mas é a mais pesada do disco. Seu estilo combina bastante com seu conteúdo lírico: a letra fala sobre os mistérios da física quântica e do misticismo por trás destes mistérios. O conteúdo da letra é bastante especulativo e não-objetivo – e não poderia ser diferente, afinal estamos lidando com uma música, não com um compêndio de física. Nesta faixa os famosos coros (que estão presentes em todo o disco) são mais fortes e “masculinos” – bem trues! – diferente dos coros mais “doces” que vemos em outras faixas como I Will Return.

A seguir temos The Myriad. Ela curiosamente começa dando pinta que vai ser monstruosa-mente pesada: tribais na bateria e frases firmes de guitarra logo nos primeiros segundos. Porém a música não contém nada do peso que ela aparentou profetizar no seu início. A música é cadenciada quase em sua totalidade, onde as distorções das guitarras são apenas coadjuvantes de luxo. É uma música muito gostosa de se ouvir, cujas excentricidades passam desapercebidas quando a ouvimos sem lhe dar a devida atenção.

When the Sun Cried Out é a oitava faixa do disco, é outra faixa que gosto muito de escutar. Ela começa bem ao estilo Nightwish, com aqueles coros “ah ah ah!” misturados com o peso das guitarras e a melodia dos teclados. Ela alterna períodos de peso e velocidade (refrão) com passagens mais cadenciadas e melódicas (estrofes e solos). Uma faixa bastante interessante.

A nona faixa do disco chama-se Mirror of Me. Eu não a odeio. Ela dá para descer. Quando coloco o álbum para ouvi-lo do início ao fim eu a escuto sem problemas. Seu problema é que, diferentemente das demais músicas do álbum, ela não tem nenhum destaque. Não há nada nela sobre o qual eu possa falar “Isto é demais nesta música”. Parece aquele tipo de faixa que foi composta durante as gravações apenas para encher o álbum. Não é uma faixa ruim – apenas normal demais.

A seguir temos Violence, a mais misteriosa faixa de Mentalize. Andre Matos deixou o seguinte desafio na entrevista que deu à revista Roadie Crew nº 131, Dezembro/2009 (revista especializada em hHeavy Metal): “Isso as pessoas terão que descobrir” quando foi perguntando qual era o motivo da música terminar da forma como termina. Eu tenho minha teoria pessoal sobre Violence e é baseada em duas pistas. Primeiro, a música acaba exatamente do jeito que ela começa, com uma orquestração curta e estranha, o que poderia ser uma dica de que “as coisas são como sempre são”. Esta talvez seria a sina de Violence, a vida é um ciclo que não pode ser alterado. Isto parece ser testificado pelos trechos finais da música: “All we see is flesh / longing for the next episode of pain, cause / violence and decadence are / tragic routes that cross each other / no one cures the consequence / left behind by violence” [Tradução aproximada: “Tudo o que vemos é carne / esperando pelo próximo episódio de dor, porque / violência e decadência são / caminhos trágicos que cruzam uns aos outros / ninguém cura a conseqüência / deixada para trás pela violência”.]. Esta seria a razão da musica terminar igual seu começo: a sina do ser humano pela violência é algo do qual ele não pode escapar. Enfim, é apenas uma teoria, uma proposta de resposta ao desafio deixado por Andre Matos. À parte do desafio, Violence é uma excelente faixa – uma de minhas favoritas.

A Lapse in Time é a décima primeira faixa do disco e é a mais excêntrica de todas. Não tem guitarra, nem baixo, nem bateria. Apenas a voz de Andre Matose o acompanhamento de piano. A música mostra todo o talento de Andre Matos adquirido com seus estudos de música erudita. Tem uma letra muito solitária, carregada de sentimentos. Maravilhoso!

Logo após a calmaria de A Lapse in Time temos a explosão de Powerstream. Uma pedrada Power Metal do início ao fim. Pesada, rápida (a mais rápida do disco) e melódica. Destaque para o baterista Eloy Casagrande, que teve seu potencial muito bem aproveitado. Essa faixa lembra muito Endeavour, faixa final de Time to be Free – aquele tipo de música para fechar com excelência o álbum. Como bônus track, contudo, a versão brasileira traz ainda uma última música. A grata surpresa Don’t Despair, gravada originalmente em 1992 na primeira demo tape da banda Angra, Reaching Horizons. Sempre havia me perguntado por que raios esta música jamais havia sido aproveitada pelo Angra em seus álbuns posteriores. Foi ótimo ouvi-la agora com uma qualidade melhor do que a gravação original. Além de ser uma música excelente, o fato de Andre Matos ter a regravado tantos anos depois de sair do Angra é uma forma dele lembrar a todos que o Angra jamais estaria onde está se não fosse por ele.

Enfim, Mentalize é um excelente álbum de Heavy Metal. Como apreciador do estilo, gostei bastante da musicalidade do álbum, que ficou mais madura do que Time to be Free. Como alguém que aprecia bastante originalidade, preza bastante pelo conteúdo lírico das músicas e que lê bastante sobre religião, ciência e a famosa polêmica sobre a questão da existência de Deus, não houve outro resultado possível além de gostar deste álbum.

Apesar de ter escrito bastante (jamais havia escrito uma resenha tão grande antes), só se entende um álbum musical depois de ouvi-lo. Então eu recomendo o Mentalize a todos que apreciam música de qualidade. Recomendo a todos que estão a um passo além da mediocridade da cultura musical brasileira e mundial atualmente.

Vou deixar alguns endereços para que vocês possam pesquisar sobre a carreira do André Matos


Sites do Andre:
www.andrematos.net
www.andrematossolo.com.br
twitter.com/andrematossolo


MySpace do Andre:
www.myspace.com/andrematossolo